A ilusão do especialista, segundo Henry Ford

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Ronaldo Mota é reitor da Universidade Estácio de Sá

Henry Ford (1863-1947) foi pioneiro, inovador e, seguramente, um dos mais importantes empresários do século passado. Foi o primeiro a aplicar, de forma sistemática e na escala devida, a montagem em série, o que viabilizou a produção em massa de automóveis. O menor tempo de produção resultou em custos acessíveis e seu modelo de produção, posteriormente, se espalhou para os demais segmentos, celebrando um mundo inédito de generalizado alto consumo.  Ford é autor de dois importantes livros: “Minha filosofia de indústria” e “Minha vida e minha obra”, além de mais de uma centena de relevantes patentes.

Segue abaixo uma de suas mais interessantes afirmações e que talvez melhor caracterize quem foi Ford (em tradução livre do texto original): “Nenhum de nossos colaboradores são experts completos. Infelizmente, tivemos que demitir nossos funcionários assim que eles passaram a se considerar especialistas satisfeitos. Quanto mais um funcionário domina seu serviço, melhor ele deve perceber que sempre restará muito mais ainda a ser feito. Precisamos de pessoas que estejam permanentemente pressionando a si mesmos e que não se acomodem jamais, independente de quão eficientes elas sejam. Pensar sempre adiante, raciocinando melhor e tentando mais, assumindo que nada é impossível. O problema é que no momento em que alguém se sente um expert em algum assunto, algumas possibilidades passam a ser consideradas por ele como sendo impossíveis”.

Podemos considerar como inauguração do século XX a Fundação da Ford Motor Company em 1903. A primeira padronização, fruto da incipiente linha de montagem, gerou o Modelo A de dois cilindros, atingindo a incrível marca de cem veículos produzidos por dia. Em seguida, o modelo foi substituído pelo Modelo T (ou Ford Bigode), o qual foi posto no mercado em 1908 ao acessível preço na época de 850 dólares. Este valor foi gradativamente diminuindo à medida que o número de veículos produzidos crescia e em 1925 um novo Ford ficava pronto a cada 15 segundos. Em 1928, a empresa empregava mais de 200.000 operários para fabricar 6.000 carros por dia, além de caminhões, tratores, ônibus etc.

Henry Ford foi também inovador na forma como tratava seus funcionários, reduzindo as horas de trabalho, via aumento de produtividade, e incentivando-os com sucessivos aumentos de salários, via participação nos lucros, além de repartir o controle acionário com os colaboradores. Ford foi a expressão maior de um modelo de desenvolvimento econômico e social de grande sucesso no século passado. Em nada sua reputação é ofendida ao percebermos que suas ideias, seus modelos e suas abordagens simplesmente não funcionam mais. Ele mesmo previu isso ao afirmar que o desafio maior da inovação é inovar permanentemente. Ser inovador hoje é fazer como Ford, fazendo bem diferente de Ford.

Da mesma maneira, a escola que se moldou ao longo do século passado foi muito influenciada pelo atendimento às demandas decorrentes do modelo vitorioso por ele proposto. Hoje vivemos mais do que uma era de grandes mudanças; vivenciamos uma mudança de era. Novos Fords têm aparecido, em geral associados ao mundo digital e, ao que parece, este ainda será o território de emergência de novos líderes empresariais nos próximos anos ou décadas. A questão que permanece é como repensar a escola que fez tanto sucesso na era fordista e que, visivelmente, colhe fracassos numa era com novos paradigmas. Pensar uma nova escola compatível com o mundo contemporâneo não é e nem pode ser um exercício abstrato no vazio de lógicas auto-consistentes. Ao mesmo tempo que educar deve manter uma desejável distância de demandas imediatas, educação necessariamente é fortemente influenciada pelo contexto.

A escola que emergirá será também decorrência da capacidade de atender às demandas dos novos tempos, caracterizados pela abundante informação, a qual está cada vez mais acessível, disponibilizada imediatamente e basicamente gratuita. Saber disso não transforma a complexa missão em algo fácil. Porém, desconhecer ou desconsiderar esses fatos torna, praticamente, impossível pensar ou propor metodologias e abordagens educacionais inovadoras. A escola e os educadores do futuro estarão, de alguma forma, conectados aos novos modelos de desenvolvimento econômicos e sociais, os quais, por sua vez, impregnam, desde já, os hábitos e costumes da sociedade atual. 

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