4º dia Flip 2017: a escrita para o futuro, resistência pela palavra e mitologia

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Uma conversa sobre o poder formador da literatura infantil e a urgência de investir em educação abriu o sábado da Flip. Os poetas e professores Edimilson de Almeida Pereira e Prisca Agustoni participaram da mesa “Ler o mundo”, parte da programação do Território Flip/Flipinha, apresentada no Auditório da Praça. Edimilson pontuou as dificuldades do acesso ao livro num país desigual como o Brasil: “Lamentavelmente, as dificuldades do ensino público fazem com que os alunos não consigam ser leitores. Tem antes que comer, chegar à escola. Existe uma vasta camada de excluídos. Nosso esforço é, portanto, ainda maior, nosso compromisso com uma literatura honesta vai na direção de incluir esse campo de leitores à nossa esfera social. A literatura infantil é um dos núcleos instituintes da leitura no Brasil.”

 

Já no Auditório da Matriz, o historiador João José Reis e Ana Miranda, autora de romances históricos e biografias, falaram sobre as fronteiras entre realidade e ficção no processo de recontar a história do Brasil e de seus personagens emblemáticos. “O que era ficção e o que era realidade não era claro para mim. Durante muitos anos eu tive pesadelos, pensava se podia tratar a realidade assim. Eu vivia numa espécie de limbo”, contou Ana, que assina “Xica da Silva – A cinderela negra”. João, referência internacional em estudos sobre a escravidão, ressaltou a importância de inserir estudos africanos no currículo do ensino de base e criticou a reforma trabalhista empreendida pelo atual governo. “Há um massacre aos índios, aos trabalhadores sem terra […] Não é ficção. Esqueçam a ficção. O que estamos vivendo está muito bem documentado, inclusive para os historiadores do futuro.”

 

A poeta Adelaide Ivánova fez uma participação contundente na série “Fruto Estranho”, que abriu a mesa “Kanguei no maiki – Peguei no microfone”. A pernambucana leu texto de sua autoria, uma costura asfixiante de histórias de feminicídio, tanto recentes quanto egressas da ditadura militar. Os autores convidados da mesa, Maria Valéria Rezende e Luaty Beirão, são também ativistas e resistiram – por meio da palavra – a experiências de encarceramento e a regimes autoritários. “Na prisão não temos com quem conversar, a escrita era meu desabafo”, relatou o autor angolano.

 

Na contramão da autoficção, um gênero tão já tão característico da contemporaneidade, o islandês Sjón e o carioca Alberto Mussa traçaram uma ponte entre o Rio e Reykjavík na mesa “Mar de histórias”. O autor nórdico pontuou que nunca sentiu necessidade de contar a própria história: “É possível ser bastante autobiográfico sem falar de si mesmo no texto […] A máscara fala mais de uma pessoa do que o rosto que está por trás dela”. Em comum, os dois autores carregam também a grande importância que atribuem à mitologia – via tradição oral nórdica no caso de Sjón, e Mussa, por meio da matriz afro-brasileira.

 

À noite, o Auditório da Matriz foi palco do encontro entre a jornalista argentina Leila Guerriero e o escritor francês Patrick Deville, sob mediação do editor Paulo Roberto Pires. Criação, partitura, realidade e ficção pautaram o debate durante a mesa “Trótski nos trópicos”. Aficionada como é por contar a realidade, Leila diz ver na forma e na estrutura das frases possibilidades de criação, de subjetividade. “A gente se submete a cada coisa…tem que lutar contra o cansaço físico e o tédio”, afirmou a jornalista, sobre a sua profissão. André Vallias abriu a mesa, como parte da série “Frutos estranho”, com a videoarte “Moteto”, combinando sons e imagens de textos de Lima Barreto a vinte pseudônimos do Autor Homenageado.

 

encerramento da noite ficou por conta dos colecionadores de prêmios Marlon James, jamaicano radicado em Minnesota, e Paul Beatty, californiano residente em Nova York, com um debate especialmente frutífero. Juntos no Auditório da Matriz, os dois autores negros percorreram influências musicais, televisivas e literárias – de Led Zeppelin a Gay Talese, de Os Batutinhas a Mark Twain – para traçar um panorama dos dias atuais, incluindo-se aí a questão racial. “As pessoas me perguntam: alguém não negro poderia ter escrito seu livro? E eu respondo: nenhum outro ser humano poderia ter escrito meu livro”, arrematou Paul, vencedor do Man Booker Prize – mesma honra concedida a Marlon.

 

http://flip.org.br/edicoes/flip-2017/noticias/quarto-dia-a-escrita-para-o-futuro-resistencia-pela-palavra-e-mitologia

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