ITAÚ CULTURAL abre “Narrativas do Invisível – Mostra Rumos 2015-2016”

1996

CONCEITOS COMO INVISIBILIDADE, DESLOCAMENTO E TERRITÓRIO, ALÉM DE QUESTÕES QUE PASSAM DESPERCEBIDAS PELO OLHAR DA SOCIEDADE BRASILEIRA ESTÃO ENTRE OS TEMAS DOS PROJETOS CONTEMPLADOS NO MAIS RECENTE EDITAL DO INSTITUTO, REUNIDOS EM EXPOSIÇÃO, DEBATES E APRESENTAÇÃO DE ESPETÁCULOS

O Itaú Cultural abre no dia 30 de agosto, em sua sede, em São Paulo, Narrativas do Invisível – Mostra Rumos 2015-2016, que reúne um recorte da produção contemplada na última edição deste que é um dos primeiros editais públicos de fomento à arte e à cultura no país. A mostra apresenta 24 trabalhos, entre os 117 projetos selecionados pelo programa, formando um conjunto que se debruça sobre questões inquietantes do mundo contemporâneo. Os demais trabalhos estão presentes na mostra em referências, textos e vídeos disponíveis para consulta do público. Ela permance em cartaz para o público de 31 de agosto a 5 de novembro.

“Nesse momento em que é importante reencontrar o melhor do Brasil, ressaltar e reafirmar a diversidade dos brasileiros e, mais do que nunca, refletir sobre o país, o Rumos cumpre este propósito, como se pode ver nesta mostra”, diz Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural. “Ela traz um recorte do olhar que recebemos entre os projetos inscritos e selecionados, que aponta para estas questões e marca os 30 anos do Itaú Cultural e as duas décadas de existência do nosso principal programa de mapeamento e fomento da arte brasileira”.

Entre os pisos 1 e -1, do instituto, a mostra expõe 12 obras. No conjunto, os trabalhos refletem a atualidade brasileira em questões como invisibilidade, deslocamento e território. Elas desvelam lugares, grupos sociais ou questões distantes dos olhos excludentes da sociedade brasileira. Para a curadoria, realizada pela equipe do Itaú Cultural, são provas de que a resistência é uma resposta ao isolamento e aos processos de fragmentação da memória, que perpetuam uma história incompleta.

Em outubro, o piso -2 será palco de apresentação dos espetáculos A Macabra Biblioteca do Dr. Lucchetti, com direção de Paulo Biscaia Filho, da Cia. Vigor Mortis, e Peso Bruto, solo da bailarina Jussara Belchior, integrante do Grupo Cena 11, que questiona o modelo de corpo feminino vigente. Ambas são resultado de projetos que levam o nome da encenação e estão entre os 12 trabalhos cuja temática dialoga entre si e gerou a programação de quatro mesas de debates, a serem realizadas em todas as quintas-feiras do mesmo mês.

Os assuntos a serem debatidos são os caminhos artísticos para construir uma memória, relatos sobre povos esquecidos, as cartografias do esquecimento e a condição das mulheres na sociedade. Essas mesas criam sinergia com toda a programação – do espaço expositivo aos espetáculos – criando pontes entre os projetos e dando convergência temática entre eles.

ESPAÇO EXPOSITIVO

O primeiro andar percorre os caminhos da memória e da história em obras como Pontes sobre abismos, de Aline Motta. A artista viajou a Itaperuna e Vassouras, no Rio de Janeiro; Ouro Preto, Mariana e Barbacena, em Minas Gerais, e a municípios em Portugal e Serra Leoa, de onde vieram os seus antepassados. Ali garimpou informações, colheu recordações, passagens e paisagens registradas em um livro de artista e uma instalação audiovisual. Ao reconstruir esse antigo trajeto, ela discute o que na história de uma vida deve ser lembrado ou esquecido e reflete sobre como se pode curar traumas pessoais, familiares e coletivos.

Por sua vez, o artista cearense Sólon Ribeiro revolve em seu projeto as memórias do avô, que era dono de um cinema na região do Cariri, no sertão do Ceará. O resultado é o projeto O golpe do corte, na qual ele apresenta mais de 30 mil fotogramas colecionados desde a década de 1950 por “seu” Ubaldo Uberaba Solon, o avô. O material foi higienizado, catalogado, digitalizado e disponibilizado em site, permitindo ao público acessar o material para realizar suas próprias pesquisas e experimentações artísticas.

Letras que flutuam – expedição Marajó, das designers Fernanda Martins e Sâmia Batista, resgata o trabalho dos abridores de letras de barcos – são chamados assim, os artistas que pintam palavras, nomes, na maioria das vezes, em embarcações. Elas iniciaram a sua pesquisa em 2004 em Belém, Barcarena, Abaetetuba e Igarapé-Mir. Com o Rumos, seguiu pelas cidades da Ilha de Marajó, que gerou o documentário Marajó das Letras em exibição no espaço expositivo.

As fibras nervosas da contemporaneidade se encontram em Sistema circulatório, de Anaísa Franco. Por meio de um software desenvolvido para este projeto, a artista visual mapeia o tráfego aéreo do planeta sobre uma grande bola gerando uma teia de fluxos que lembra a circulação do sangue pelo corpo humano. Gabriela Bílá projeta o futuro em Teleport city – A arte como veículo do tempo. A artista fez cinco instalações em que o mundo tem como principal meio de locomoção o teletransporte – duas delas e uma projeção mapeada, são apresentadas no espaço expositivo. Acessível às diversas camadas sociais, esse transporte modifica por completo o espaço urbano.

Impactante e também reflexo do cotidiano vivido nas cidades e campos do país, a obra Retrato de Cola: Violência Grátis!, do artista visual, músico e jornalista paulista Murilo Henrique Jacintho, apresenta uma série de fotocolagens em grande escala. Nelas, pessoas são retratadas sobre um fundo composto de manchetes jornalísticas que noticiam atos violentos.

OUTRO OLHAR

Seguindo pelo piso –1 o visitante encontra mundos reais, monopólio das exclusões e desvios perpetuados pela história. Em A HISTÓRIA DA _RTE, o artista visual e jornalista Bruno Moreschi e uma equipe de colaboradores fizeram uma pesquisa com base nos 11 livros mais usados no ensino de história da arte no Brasil. Eles analisaram os mais de dois mil nomes citados ali, partindo de dados como local de nascimento, gênero e raça e perceberam que mulheres e negros pouco aparecem como agentes produtores de trabalhos artísticos. O projeto resultou em um site e um mapa/panfleto que será distribuído em todo o território nacional – e no espaço expositivo da mostra – revelando justamente o que não é levado em consideração pela história oficial da criação.

Territórios corporais, de Yuji Kodato, apresenta detalhes ampliados em macrofotografia do corpo de bebês a pessoas idosas, com diferentes tons de pele, cicatrizes, marcas ou intervenções na pele, como maquiagens, piercing, tatuagens, escarificações, e tudo aquilo que constitui, veste ou se estende de um corpo.  As imagens surgem como paisagens e retratos que, ao mesmo tempo são individuais e universais, revelando tanto a fugacidade quanto a força do corpo humano.

Nas profundezas da região por onde corre o rio São Francisco encontram-se ruínas de cidades esquecidas após alagamentos para dar lugar a usinas hidrelétricas. O projeto de Luiz Netto, São Francisco submerso – o lago de Itaparica, revela estes mundos de história perdida nos municípios de Itacuruba, em Pernambuco, e Rodelas, na Bahia – alagados no final da década de 1980. Ele identifica a localização exata dessas ruinas. Os registros em livro serão enviados para o Instituto de Patrimônio Histórico (Iphan), bibliotecas e prefeituras.

O universo humanizado de jovens reclusos por força da lei está em Retrato falado, da artista visual Tatiana Altberg. O trabalho tem como base os internos em duas unidades do Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), do Rio de Janeiro. Ela ministrou oficinas de fotografia, os instigou a registrarimagens de seus universos, por meio daquilo que identificam como representação própria, e realizou sessões individuais de escuta, nas quais os jovens eram convidados para falarem sobre si mesmos e descreverem imagens, sonhos ou cenas marcantes de suas vidas. Com esses autorretratos, ela compôs uma instalação sonora em 42 registros de 1 a 4 minutos e duração total de 70 minutos. No espaço expositivo, a classificação etária dessa obra é de 12 anos.

A Estrela segue caminho semelhante, com o trabalho da jornalista Natália Martino e o fotógrafo Leo Drumond de dar voz a recuperandos em unidades prisionais de Minas Gerais. Eles ministraram cursos de produção de texto, foto e vídeo a essas pessoas privadas de liberdade e com elas desenvolveram quatro edições da revista que leva o nome do projeto. Além de alargar as suas perspectivas e de trazer pluralidade para o debate sobre a questão carcerária no Brasil, a ação incentivou os participantes a colocarem em prática as habilidades que já tinham – o que também resultou nas estrelas artesanais expostas na mostra ao lado de três das quatro edições da publicação e curtas metragens produzidos durante as oficinas.

Em Cinema e sal – rede audiovisual, trabalho idealizado pela cineasta Lara Belov, a voz é dada a jovens monitores de comunidades pesqueiras do arquipélago de Cairu, na Bahia. É um projeto de cinema comunitário, ali realizado, composto de oficinas de documentário para esses jovens, com intercâmbio entre as ilhas, mostras de cinema e a formação de uma rede de bases audiovisuais nos arquipélagos. Na mostra, são exibidos os curtas-metragens produzidos por eles.

 

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