2º dia Flip 2017: memórias de guerra, autoficção e resistência pela palavra

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Duas autoras que trabalham com memória dividiram a última mesa do segundo dia da Flip, uma das atrações mais aguardadas da 15ª edição da Festa Literária. Mais especificamente, com a memória da mãe – ou, ainda, com a memória da mãe em contextos históricos marcados pela guerra e pelo extremismo: a Shoah, no caso de Noemi Jaffe, e o genocídio de Ruanda, tema de Scholastique Mukasonga. As duas autoras falaram das possibilidades da escrita como testemunho – lembrar para não esquecer, lembrar para redimir a memória; escrever por necessidade, por dever ou por ambos. “O genocídio de Ruanda fez de mim escritora. A escrita foi um modo de dar uma sepultura aos meus, tirá-los da vala comum e construir uma sepultura de palavras, uma tumba de papel”, explicou Scholastique, sobre o genocídio do qual sua mãe e outros membros de sua família foram vítimas, em 1994.

 

Antes, teve lugar no Auditório da Matriz uma conversa sobre a tradução do grego para o português: a mesa “Odi et amo”, com o lisboeta Frederico Lourenço e o brasiliense Guilherme Gontijo Flores, ambos tradutores do idioma de Homero. Mediados por Ángel Gurría-Quintana, os convidados defenderam a autonomia do texto traduzido e animaram o público no Auditório da Matriz ao declamar em grego. No mesmo encontro, a dramaturga Grace Passô apresentou a performance “Parto”, parte da série “Fruto estranho”, novidade desta edição. Voltada à ideia de transformar a leitura do texto em experiência teatral, a intervenção combinou palavras e movimentos.

 

A mesa 4 mostrou que os escritores Jacques Fux e Julián Fuks compartilham muito mais do que a sonoridade do sobrenome. Reunidos na tarde de quinta-feira no Auditório da Matriz, os dois autores, expoentes do gênero autoficção, conduziram uma conversa em torno das motivações e desafios da escrita, num encontro carregado de sutilezas e auto-ironia. A fronteira entre real e ficção deu o tom do diálogo. “Não me interessa nunca a postura perigosa e niilista de romper com tudo em nome da literatura. Prefiro falar do que a gente tem dificuldade de falar. Não é algo agressivo; é, ao contrário, um gesto de aproximação”, explicou Julián.

 

Na mesa “Pontos de fuga”, a terceira do segundo dia da Flip, três mulheres da novíssima literatura em língua portuguesa se encontraram no Auditório da Matriz. A angolana Djaimilia Pereira de Almeida, a carioca Carol Rodrigues e a gaúcha Natalia Borges Polesso transitam entre estudos acadêmicos e escrita literária, mas foi nesta última que estabeleceram de vez sua produção textual. Sob mediação do professor de Estudos Lusófonos Leonardo Tonus, a conversa se estabeleceu nos temas centrais de cada uma, que envolvem identidade, subjetividade, feminino e forma e gêneros literários. Autora de “Esse cabelo”, Djaimilia descreveu o processo de mergulho na identidade da mulher negra e em suas próprias origens. Antes dos participantes entrarem no palco, foi exibido no telão um videopoema de Josely Vianna Baptista, parte da série “Fruto estranho”, com passagens sobre o etnocídio indígena.

 

Ao meio-dia, na primeira mesa do dia no Auditório da Matriz, os pesquisadores Beatriz Resende, Felipe Botelho Corrêa e Edimilson de Almeida Pereira abordaram os ecos e novas vertentes de pesquisa abertos pela obra do Autor Homenageado. A discussão sobre racismo e marginalização também pontuou a fala de Edimilson. “Lima escrevia com assombro, escrevia com susto”, disse, referindo-se a essa escrita que nasce de “um corpo em risco, [um] corpo ameaçado”.

 

Tais “corpos ameaçados” assumiram o protagonismo da mesa Zé Kleber, realizada no Auditório da Praça, na programação do Território Flip/Flipinha. Laura Maria dos Santos, arte-educadora da comunidade quilombola Campinho da Independência, de Paraty, se juntou a Álvaro Tukano, escritor e pensador indígena do Alto Rio Negro, e Ivanildes Kerexu Pereira da Silva, da aldeia Guarani Mbya Itaxi e ativista pelo direito das mulheres, das crianças e dos indígenas. Em pauta, esteve a sobrevivência das comunidades tradicionais. “A gente está aqui para viver nesta terra, não para morrer”, resumiu Laura.

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