A arte contra o preconceito: balé é coisa de menino também

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O núcleo rosa do projeto “Bom de Nota, Bom de Dança” de Serrana conta com seis bailarinos, o maior número entre os municípios beneficiados pela iniciativa

Desde que foi lançado oficialmente em Serrana, no início de junho, o projeto “Bom de Nota, Bom de Dança” tem sido muito procurado pelas crianças da comunidade local. No núcleo Rosa, as 70 vagas disponibilizadas para as aulas de balé e danças urbanas já foram preenchidas e tem até lista de espera.

Dos alunos matriculados, seis são meninos. Apesar de não parecer um número expressivo, é um dos maiores entre os núcleos do projeto e visto como um avanço pela professora de balé, Angélica Denise Santana Sarne. Para ela, essa diferença pode ser explicada por um preconceito ainda muito presente na nossa sociedade: a discriminação aos homens bailarinos. Recentemente, na saída de uma das aulas, ela mesma presenciou um dos alunos sofrer provocações por praticar a dança e por estar usando uma roupa rosa, a cor característica do núcleo. “Ele ficou assustado. Alguns dias depois, pediu para trocar o balé pela dança urbana. Aproveitei a oportunidade para conversar com as crianças e tentar explicar a elas que uma cor não pode definir algo e que o balé não está relacionado à orientação sexual. Eles ficaram felizes em falar sobre o assunto, muitas vezes tabu em casa. Depois disso, o nosso aluno decidiu continuar no balé e outros meninos procuraram por vagas na dança, o que nos deixou mais motivados”, conta ela.  

Angélica acredita, ainda, que a falta de informações sobre o estilo de dança e o desconhecimento da metodologia usada durante as aulas também sejam fatores agravantes ao preconceito. “O balé é uma atividade física que trabalha todo o corpo, como poucas modalidades esportivas fazem. Dançar uma música clássica é calmo para quem assiste, mas quem dança sua e precisa de fôlego para terminar uma coreografia com saltos, piruetas e outros passos difíceis. E engana-se quem acredita na aparência frágil dos bailarinos. O balé fortalece os músculos tanto quanto a musculação”, pondera Angélica. A professora também enfatiza que a dança clássica pode ser aplicada na rotina de preparação física de atletas de diversas modalidades, como o boxe, a ginástica artística, o tênis, o basquete e até o salto triplo.

O monitor Miguel Afonso também fala sobre a preparação. “Danço há 15 anos. Na maior parte desse tempo, fiz danças urbanas. Estou no balé há dois anos e posso dizer que é algo extremamente difícil, que envolve muito esforço físico”, ressalta. Miguel comenta, ainda, que no início das aulas o preconceito vinha das próprias meninas. “Quando eu percebi que elas não sabiam que homens dançavam balé, dei uma breve aula teórica sobre o surgimento da dança, falei sobre o Luiz XIV, um rei bailarino. O balé teve início com os homens e só depois as mulheres entraram. Mostramos vídeos e isso foi enriquecendo e expandindo o conhecimento delas”, relata ele.   

Muitas vezes essa discriminação acaba inibindo meninos talentosos. Angélica disse que eles chegam tímidos e estranham o ambiente, mas que com o tempo vão se sentindo mais à vontade e se entusiasmando com as descobertas e os aprendizados. A professora também afirma que todos eles são muito esforçados e um dos alunos se destaca na turma pela força física e mobilidade que tem. “Tenho certeza que, com dedicação, ele terá um futuro brilhante como bailarino. Além de acompanhar as lições, ele tem muita habilidade”, avalia a professora, que também revela que há uma competição muito saudável durante as aulas, o que incentiva as crianças a superarem medos e dificuldades.

“Acredito que a dança é muito importante na vida de uma criança, não só física, mas também emocionalmente. O balé é muito rígido e exige atenção às explicações. Sendo assim, as crianças aprendem a respeitar e a esperar a vez delas. Com a rotina de treinos, os alunos também começam a entender que, a cada aula, os movimentos vão ficando menos difíceis e isso ensina que é preciso trabalhar e se dedicar para conquistar um objetivo, o que pode ser levado não só para o balé, mas para a vida. A dança trabalha, ainda, a concentração, devido à contagem coreográfica característica, o que auxilia, também, na organização do tempo e no pensar antes de agir”, destaca Angélica.  

Ao falar de seus alunos, a professora lembra dos sorrisos e da alegria deles durante as aulas e explica que ela e o monitor Miguel tentam estar bem próximos às crianças. “Se elas faltam, nós queremos saber o porquê. Muitas têm histórias tristes, estão passando por dificuldades em casa, querem ser ouvidas”, afirma ela. E é por isso que o convívio coletivo também é de extrema importância. O projeto atua dentro da faixa etária em que ocorre a maior mudança na vida deles, que é a passagem da infância para a adolescência. Mudança corporal, hormonal, sensorial, emocional, intelectual. São os questionamentos, as dúvidas, as descobertas. “Aqui no projeto, além da dança, os alunos aprendem tantas outras coisas que vão levar pra vida, não só conosco, mas com os próprios colegas”, finaliza Angélica.

Sobre o projeto

Desde fevereiro deste ano, o projeto “Bom de Nota, Bom de Dança” oferece aulas de balé e danças urbanas de forma gratuita para meninos e meninas de sete a 14 anos de idade, matriculados na rede municipal de ensino de Serrana. O principal objetivo da iniciativa é levar e fomentar cultura junto às escolas da cidade.

O município conta com dois núcleos: o Verde e o Rosa. No primeiro, as aulas de balé e danças urbanas acontecem nas escolas Professora Maria Celina Walter de Assis e Professor Edesio Monteiro de Oliveira. Já no núcleo Rosa, as aulas são realizadas nas escolas Jardim Dom Pedro I e Elizabeth Sahao.

Além dessas atividades, os alunos também recebem, de forma gratuita, lanche após cada aula e uniforme. A iniciativa trabalha, ainda, metodologia de controle de talentos, incentivando a frequência e o bom comportamento escolar.

O projeto “Bom de Nota, Bom de Dança” de Serrana é realizado por meio do Programa Nacional de Apoio à Cultura – PRONAC, com recursos incentivados pela Usina da Pedra.

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