3º dia Flip 2017: depoimento sobre racismo e margens que chegam ao centro

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A 15ª edição da Flip teve uma manhã de sexta-feira catártica: na mesa “A Pele que Habito”, com o ator Lázaro Ramos e a jornalista Joana Gorjão Henriques, discutiu-se racismo, exclusão e liberdade; a conversa trouxe à tona um depoimento emocionante de Diva Guimarães, 77 anos. A professora aposentada, que estava na plateia, relembrou passagens da sua infância por cerca de dez minutos – sua mãe lavava roupas em troca de caderno e lápis para que ela pudesse estudar. Quando menina, morava em Curitiba e ouvia histórias absurdas contadas por freiras do colégio para “justificar” as “diferenças” entre negros e brancos. Saídas em voz engasgada, as palavras de Diva comoveram o público e os autores convidados. “Quer matar a gente do coração, professora?”, disse Lázaro.

 

Duas mesas sobre Lima Barreto, o Autor Homenageado, compuseram a programação do terceiro dia da Flip. A linguagem inovadora do escritor e o fato de sua literatura ser voltada para os oprimidos foram temas essenciais da mesa “Moderno antes dos modernistas”, com Antonio Arnoni Prado (um dos pioneiros nos estudos sobre o Lima, já na década de 1970) e Luciana Hidalgo (jornalista e escritora, também estudiosa da obra do autor). Luciana elucidou que Lima “usou a língua do dominador para falar dos dominados” e Antonio pontuou que ele queria “que a literatura servisse para a união das pessoas”.

 

Os pesquisadores Luiz Antonio Simas e Beatriz Resende estiveram na outra conversa dedicada a pensar a obra do Autor Homenageado. Na mesa “Subúrbio”, a terceira do dia, falaram sobre as margens da antiga capital federal, bairros para os quais, como apontou Simas, “o Cristo Redentor fica de costas”. Para Beatriz, o escritor foi o primeiro a incluir essa dimensão da cidade na literatura brasileira. No início do encontro, a poeta Prisca Agustoni declamou poemas em diferentes idiomas, como parte da série “Fruto Estranho”.

 

Na tarde de sexta-feira, Pilar del Río dividiu o palco do Auditório da Matriz com o mediador Alexandre Vidal Porto. A jornalista espanhola, presidente da Fundação José Saramago — e companheira do escritor até a morte dele, em 2010 — falou de direitos humanos, feminismo, da vida ao lado do marido, de militância política e de sua infância. Já de início afirmou que, desde pequena, sentiu presente o sexismo. “A mulher estava submetida ao homem, minha mãe não podia viajar sem autorização do meu pai”, algo só alterado na Constituição espanhola de 1978. Pilar falou sobre como as mulheres hoje já não estão submetidas ao patriarcado, mas que muitas ainda sofrem violência doméstica e que por isso não podemos silenciar.

 

A noite começou eletrizante com a intervenção do poeta Ricardo Aleixo no “Fruto Estranho”, antes do encontro entre a escritora chilena Diamela Eltit e o documentarista Carlos Nader. Aleixo encenou um misto de dança, rito e declamação e fez ouvir: “A vida como um anti-boi de Parintins. Porque nada é caprichoso. Nada é garantido”. Enquanto a autora chilena falou sobre literatura, militância feminista e democracia, o documentarista relembrou a produção de seus filmes sobre Waly Salomão, Leonilson, entre outros.

 

A sexta-feira se encerrou no Auditório da Matriz com um rico diálogo entre os escritores William Finnegan e Deborah Levy, na mesa “Por que escrevo”. Ambos comentaram os efeitos do apartheid em suas obras – Deborah é sul-africana, e William foi professor de uma comunidade de crianças negras durante o regime de segregação.

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